UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso Hospital Santo Antônio

🏥 Modelos de Avaliação de Impacto em Saúde

Uma Perspectiva Médica

Material Didático para Médicos

Curso de Extensão em Estatística Básica

Agosto de 2025

📋Apresentação

Este material foi desenvolvido especificamente para profissionais da saúde, com foco na compreensão dos princípios de avaliação de impacto aplicados a políticas e intervenções em saúde.

O conteúdo foi elaborado pensando em médicos que buscam aprimorar seus conhecimentos em medicina baseada em evidências, introduzindo os conceitos estatísticos de forma gradual e com aplicações práticas.

🎯 Objetivos de aprendizagem:

🗂️Estrutura da Apresentação

  1. Introdução às políticas e intervenções em saúde
  2. Erros clássicos na avaliação de impacto em saúde
  3. Correlação vs. Causalidade em medicina
  4. Modelos estatísticos de avaliação de impacto
  5. Exemplos de aplicação (programas de saúde brasileiros)

💡 Metodologia: Cada seção foi desenvolvida para construir gradualmente seu conhecimento, partindo de conceitos básicos da medicina baseada em evidências até chegar aos modelos estatísticos mais complexos utilizados em pesquisa clínica.

1. Introdução às Políticas e Intervenções em Saúde

Fundamentos para entender por que e como avaliamos políticas e intervenções em saúde

🏥O que são Políticas e Intervenções em Saúde?

Políticas e intervenções em saúde são ações planejadas e implementadas para melhorar a saúde da população, desde programas de vacinação até novas diretrizes clínicas.

Exemplos incluem:

  • Programas de prevenção (campanhas de vacinação, controle de tabagismo)
  • Intervenções clínicas (novos protocolos, tecnologias diagnósticas)
  • Políticas de acesso (Farmácia Popular, Saúde da Família)
  • Promoção da saúde (incentivo à atividade física)

Analogia: O Médico e o Tratamento

Assim como um médico prescreve um tratamento para uma doença específica, gestores de saúde implementam políticas para resolver problemas de saúde pública.

E, da mesma forma que o médico precisa saber se o tratamento funcionou, é crucial avaliar se a política alcançou seus objetivos.

🔍Por que Avaliar Políticas e Intervenções em Saúde?

  • 💰 Otimização de Recursos: Os recursos em saúde são limitados e devem ser direcionados para o que realmente funciona
  • 📈 Melhoria Contínua: Entender o que funciona permite aprimorar futuras intervenções
  • 🔬 Medicina Baseada em Evidências: Substituir intuição por dados concretos
  • 📊 Responsabilidade: Informar a sociedade sobre resultados e retorno do investimento
  • ⚖️ Transparência: Prestação de contas à população
  • 🎯 Efetividade: Garantir que intervenções sejam realmente eficazes

Atenção: Sem avaliação adequada, corremos o risco de continuar investindo em abordagens ineficazes ou até mesmo prejudiciais à saúde da população.

📋Tipos de Avaliação em Saúde

🔄 Avaliação de Processos

Analisa como a intervenção está sendo implementada

Perguntas-chave:

  • A intervenção está atingindo o público-alvo?
  • Os recursos estão sendo utilizados conforme planejado?
  • As atividades estão sendo realizadas de acordo com o protocolo?

📊 Avaliação de Impacto

Analisa os efeitos causados pela intervenção

Perguntas-chave:

  • A intervenção está gerando os resultados esperados?
  • Quais mudanças podem ser atribuídas diretamente à intervenção?
  • Existem efeitos não previstos (positivos ou negativos)?

Foco deste Material

Neste material, focaremos na avaliação de impacto, que busca estabelecer relações de causalidade entre as intervenções em saúde e seus resultados - essencial para a medicina baseada em evidências.

2. Erros Clássicos na Avaliação de Impacto em Saúde

Armadilhas comuns que podem levar a conclusões equivocadas sobre o impacto de intervenções médicas

⚠️Erros Clássicos: Visão Geral

Erros Clássicos na Avaliação de Impacto em Saúde
Principais erros que comprometem a validade das avaliações de impacto em saúde

📅Erro 1: Comparação Antes-Depois sem Grupo de Controle

Este erro ocorre ao comparar a situação de saúde antes e depois de uma intervenção, sem considerar o que teria acontecido na ausência dessa intervenção.

🚨 Problema:

Não é possível isolar o efeito da intervenção de:

  • Tendências temporais naturais
  • Mudanças sazonais
  • Outras políticas ou eventos externos
  • Regressão à média

Exemplo: Protocolo de Higiene das Mãos

Situação: Hospital implementa novo protocolo e observa redução de 30% nas infecções hospitalares nos 6 meses seguintes.

Conclusão equivocada: "O protocolo reduziu as infecções em 30%"

Problema: Pode haver tendência natural de queda, campanhas paralelas, ou mudanças sazonais de patógenos.

Solução: Comparar com hospital controle similar que não implementou o protocolo.

👥Erro 2: Viés de Seleção

Ocorre quando comparamos grupos que já possuíam diferenças significativas antes da intervenção, atribuindo erroneamente essas diferenças à intervenção.

🚨 Problema:

O viés de seleção acontece quando:

  • Participação é voluntária
  • Critérios específicos de inclusão
  • Grupos diferem em características importantes
  • Autoselecção dos participantes

Exemplo: Programa de Exercícios Cardíacos

Situação: Programa aceita inscrições voluntárias. Após 1 ano, participantes têm melhor capacidade funcional que não-participantes.

Conclusão equivocada: "O programa melhorou a capacidade funcional"

Problema: Voluntários podem ser mais motivados, ter estilo de vida mais saudável ou prognóstico inicial melhor.

Solução: Randomização ou ajuste estatístico para diferenças observáveis.

3. Correlação vs. Causalidade em Medicina

Entendendo a diferença fundamental entre dois conceitos cruciais na pesquisa médica

🔗Correlação vs. Causalidade: Conceitos Fundamentais

Diferença entre Correlação e Causalidade em Medicina
Conceitos: correlação e causalidade na área médica

🔗Correlação vs. Causalidade: Exemplos

Exemplos de correlação e causalidade
Exemplos práticos da diferença entre correlação e causalidade na área médica

📖Correlação vs. Causalidade: Definições

🔗 Correlação

Relação estatística entre duas variáveis que tendem a variar conjuntamente.

Características:

  • Indica apenas associação ou co-ocorrência
  • Não explica o porquê da relação
  • Relativamente fácil de identificar
  • Pode ser positiva ou negativa

Exemplo: Café e Câncer de Pâncreas

Correlação positiva observada em alguns estudos, mas não prova causalidade. Pode haver fator de confusão como tabagismo.

⚡ Causalidade

Relação onde uma variável (causa) provoca diretamente mudança em outra (efeito).

Características:

  • Indica responsabilidade direta pela mudança
  • Estabelece direção e mecanismo
  • Permite prever efeitos de intervenções
  • Muito mais difícil de estabelecer

Exemplo: Antibiótico e Pneumonia

Ensaio clínico randomizado demonstra que antibiótico reduz duração da pneumonia vs. placebo. Randomização permite inferir causalidade.

4. Modelos Estatísticos de Avaliação de Impacto

Principais abordagens metodológicas para estabelecer causalidade em pesquisa médica

📊Principais Modelos de Avaliação

Principais Modelos de Avaliação de Impacto em Saúde
Visão geral dos principais desenhos de estudo para avaliação de impacto em saúde

🎲Ensaios Clínicos Randomizados (RCT)

Considerado o "padrão ouro" para estabelecer causalidade em intervenções terapêuticas.

🔑 Características principais:

  • Randomização elimina viés de seleção
  • Grupos comparáveis em características observáveis e não-observáveis
  • Controle rigoroso de variáveis
  • Permite inferência causal robusta

⚠️ Limitações: Alto custo, questões éticas, validade externa limitada, não aplicável a todas as situações.

Exemplo: Teste de Nova Vacina

Desenho: 10.000 participantes randomizados para receber vacina ou placebo

Seguimento: 2 anos monitorando incidência da doença

Resultado: Grupo vacina: 50 casos; Grupo placebo: 500 casos

Conclusão: Vacina reduz risco em 90% (eficácia vacinal)

Validade: Randomização garante que diferença é devida à vacina

👁️Estudos Observacionais

📈 Estudos de Coorte

Seguem grupos expostos e não-expostos ao longo do tempo.

Exemplo: Tabagismo e Câncer de Pulmão

Seguimento de fumantes e não-fumantes por 20 anos, comparando incidência de câncer de pulmão.

🔍 Estudos Caso-Controle

Comparam casos (com doença) e controles (sem doença) quanto à exposição passada.

Exemplo: Medicamento e Malformação

Comparar mães de bebês com malformações (casos) vs. mães de bebês normais (controles) quanto ao uso de medicamento na gravidez.

📊 Diferença-em-Diferenças

Compara mudanças ao longo do tempo entre grupos tratamento e controle.

Exemplo: Lei Antifumo

Comparar mudança nas internações por infarto em cidades que implementaram lei antifumo vs. cidades que não implementaram.

💡 Vantagens dos Estudos Observacionais:

  • Menor custo que RCTs
  • Maior validade externa
  • Permitem estudar exposições raras ou não-éticas
  • Seguimento de longo prazo

5. Exemplos de Aplicação: Programas de Saúde Brasileiros

Casos práticos de avaliação de impacto em políticas de saúde pública no Brasil

🏠Programa Saúde da Família (PSF)

📋 Descrição do Programa

Estratégia de reorganização da atenção básica, com equipes multidisciplinares responsáveis por famílias em territórios definidos.

🎯 Objetivos

  • Reduzir mortalidade infantil
  • Melhorar acesso aos cuidados básicos
  • Aumentar cobertura vacinal
  • Reduzir internações evitáveis

📊 Avaliação de Impacto

Metodologia: Diferença-em-diferenças comparando municípios com diferentes níveis de cobertura do PSF ao longo do tempo.

📈 Principais Resultados

  • Mortalidade infantil: Redução de 13% em áreas com alta cobertura
  • Internações evitáveis: Diminuição de 40% em condições sensíveis à atenção básica
  • Cobertura vacinal: Aumento de 15 pontos percentuais

🚭Programa Nacional de Controle do Tabagismo

📋 Intervenções Implementadas

  • Lei de ambientes livres de fumo
  • Aumento de impostos sobre cigarros
  • Advertências nas embalagens
  • Campanhas educativas
  • Tratamento para cessação

Desafio Metodológico

Como avaliar o impacto de múltiplas intervenções implementadas simultaneamente?

📊 Estratégia de Avaliação

Abordagem: Série temporal interrompida, comparando tendências antes e depois das intervenções, com ajuste para fatores de confusão.

📈 Resultados Observados

  • Prevalência de fumantes: Redução de 34,8% para 14,7% (1989-2013)
  • Mortes evitadas: Estimativa de 420.000 mortes evitadas
  • Internações por IAM: Redução de 6% após lei antifumo

🎯Conclusões e Recomendações

🔑 Pontos-Chave

  • Medicina Baseada em Evidências: Avaliação rigorosa é essencial
  • Cuidado com Vieses: Evitar erros clássicos de interpretação
  • Correlação ≠ Causalidade: Distinção fundamental
  • Escolha Metodológica: Depende da pergunta e contexto

⚠️ Lembre-se: Nem sempre é possível ou ético realizar RCTs. Estudos observacionais bem conduzidos podem fornecer evidências valiosas.

💡 Recomendações Práticas

  • Planeje a avaliação: Desde o início da intervenção
  • Defina indicadores: Claros e mensuráveis
  • Considere o contexto: Validade externa é importante
  • Busque colaboração: Epidemiologistas e estatísticos

🎓 Próximos Passos: Aprofunde conhecimentos em epidemiologia, bioestatística e metodologia de pesquisa para aplicar esses conceitos na prática clínica.